Vitória de Bolsonaro quebra o sistema político.

Em conversa recente, antes do resultado eleitoral, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tentou decifrar o fenômeno Jair Bolsonaro (PSL), que já indicava ser vitorioso na disputa.
"Ele é a picareta da história", ou seja, a picareta ou martelo que iria quebrar o sistema político vigente – que, aos olhos de muitos, inclusive de FHC, estava envelhecido.
Na economia, a promessa era de um governo liberal que iria enxugar gastos e desfazer medidas tomadas pelos sucessivos governos petistas. Entre as ações prometidas, está a privatização de empresas estatais criadas nos últimos anos.
De fato, um dos bordões de Bolsonaro na campanha foi o de que era o único capaz de "romper o sistema político vigente". Ele percebeu o cansaço dos brasileiros com o toma-lá-da-cá da política, com a corrupção, e estruturou sua campanha à Presidência da República de modo inovador: pelas redes sociais, exclusivamente.
A partir da jornada de 2013, quando milhões de brasileiros foram às ruas protestar contra a corrupção, buscar o novo e falar também em políticas públicas (melhor educação, melhor saúde) em um movimento que começou contra o reajuste das tarifas de transportes em São Paulo e se alastrou pelo país, o capitão reformado percebeu que havia espaço para uma candidatura diferente. Assumidamente de direita. E, com a ajuda dos filhos, organizou-se para isso.
A vitória neste domingo, com 57 milhões de votos, revelou que estava certa a estratégia dos Bolsonaro. E a "picareta da história" compreendida por Fernando Henrique, começou a atuar ao derrotar o PT.
O PT, que venceu as últimas quatro eleições presidenciais no país, mas foi apeado do poder em 2016 com o impeachment de Dilma Rousseff, terá de se renovar. Seu principal líder, o ex-presidente Lula está preso e não se sabe por quanto tempo.
E ninguém desconhece que um dos fatores que contribuíram para a vitória de Bolsonaro foi o anti-petismo arraigado em boa parcela da sociedade. O PT migrou dos grandes centros urbanos e se instalou no Nordeste e lá, com candidato próprio ou com aliados, venceu a eleição em sete estados. Mas também conseguiu voltar às grandes cidades com o anti-bolsonarismo das últimas semanas.
Nesta terça-feira (29), o PT vai se reunir em São Paulo para analisar o resultado eleitoral e definir as estratégias daqui em diante. Seu objetivo imediato é o de liderar a oposição ao governo Bolsonaro com sua bancada de 56 deputados, a maior na Câmara. Outra discussão: quem vai ficar com o cacife de 47 milhões de votos obtidos por Fernando Haddad? O próprio Haddad ou será outro personagem do PT, mais ligado à burocracia do partido?
A propósito, Haddad irá a Curitiba para visitar Lula na prisão, na próxima semana - tal como fez no período em que estava organizando sua campanha.
Os petistas dizem que o caminho está aberto para Haddad se ele quiser assumir a tarefa. Porém, há uma dificuldade de ordem prática: ele é professor concursado da USP e não se conhece casos de professor pedir licença para assumir cargo partidário.
Fernando Haddad é filiado ao PT desde 1985, mas nunca foi atuante na estrutura do partido. A derrota para o minúsculo PSL leva o PT a tentar se renovar. Além disso, terá de disputar o papel de lider da oposição com Ciro Gomes (PDT), que nem de longe tem a rejeição do PT.
A "picareta" de Bolsonaro também quebrou o PSDB. O partido, que protagonizou a polarização política com o PT nas últimas seis eleições, foi despachado para casa ainda no primeiro turno.
Agora, o PSDB estará de novo às voltas com o dilema de ficar onde está, como um partido social-democrata, como foi criado por seus fundadores; ou se faz uma guinada forte à direita, como defende o maior vitorioso tucano nesta eleição, o governador eleito de São Paulo, João Dória. O PSDB vai votar as matérias que defende, as reformas como a da Previdência, por exemplo, ou será uma "linha auxiliar" do governo Bolsonaro? Essa é uma questão que está posta.
O governador eleito do Rio Grande do Sul, o tucano Eduardo Leite, disse que estará em São Paulo na próxima quarta-feira (31) para ouvir os dois lados – tanto Dória quanto o presidente do partido, Geraldo Alckmin.
Ele avalia que há espaço, sim, para o PSDB seguir em frente e sem precisar romper com qualquer dos lados. Não é o que pensam outros tucanos que não vêem possibilidade de convivência no partido se a guinada à direita se confirmar por desejo de Doria. Alguns já falam em um novo partido.
Em seu discurso político, Bolsonaro atira no PT e no PSDB, indicando que pretende governar com o Centrão - que tem maleabilidade para sustentar o governo do PT, como fez; tanto quanto um de direita, com Bolsonaro.
Bolsonaro conseguiu, com sua picareta, quebrar boa parte da estrutura política vigente. Promete quebrar estacas da economia, como isenções fiscais para setores específicos. O que não se sabe, é se ele vai conseguir colocar algo no lugar.
Por Cristiana Lôbo