Após 44 anos, Náutico espera voltar ao cenário internacional do futebol Em 1968, ano em que conquistou o hexacampeonato Pernambucano, a equipe alvirrubra teve uma participação frustrante na Libertadores
São poucos alvirrubros que guardam na memória um dos momentos mais importantes da história do Náutico. No ano em que conquistou o hexacampeonato Pernambucano, o Timbu garantiu sua primeira e única, até então, presença numa competição internacional ao disputar a Libertadores, em 1968. Os torcedores se apegam à lembrança em meio à expectativa de ver, 44 anos depois, o time novamente no cenário internacional.
Neste domingo, além da rivalidade história com o Sport, está em jogo para o Náutico o que o técnico Alexandre Gallo classifica como uma das principais conquistas do time neste ano: participar da Copa Sul-Americana, em 2013.
- Seria um pecado o Náutico não se classificar, porque esteve dentro do grupo de classificação praticamente durante todo o Brasileiro. Esta foi uma das frases mais destacadas pelo treinador na reta final da competição.
Se para o treinador a vaga seria uma questão de justiça, para quem esteve em campo naquela época, é encarada com orgulho.
- Muita gente já chegou para mim falando que só o Sport jogou uma Libertadores em Pernambuco. Conversa, vinte anos antes do Leão estar no torneio em 1988, o Náutico já havia disputado a competição. Fomos pioneiros.
O pioneirismo acima foi destacado pelo ponta-esquerda Lala, uma das referências da geração do hexacampeonato, do vice da Taça Brasil e da participação na Copa Libertadores. Atualmente professor da escolinha do Náutico e um senhor de 66 anos, Lala tinha 22 quando entrou em campo contra o Palmeiras, na estreia alvirrubra na principal competição da América do Sul. Foi a primeira rodada do grupo 5, que também contava com o Desportivo Galícia e Desportivo Portugués, ambos da Venezuela.
- Tínhamos pela frente o Palmeiras campeão nacional e que havia nos batido na final. Era um ótimo time com Ademir da Guia, Zequinha e outros grande jogadores. Toda vez que os enfrentávamos era dureza. Já os venezuelanos eram times que usavam mais a força física, não eram muito habilidosos, no entanto, o Desportivo Portugués, contava com vários brasileiros, o que dificultava mais - disse Lala, lembrando que o meia Ramos era um dos brasileiros da equipe venezuelana. Ramos agradou e foi contratado pelo Timbu, onde meses depois estaria marcando o gol do hexa, na vitória por 1 a 0 sobre o Sport.
Válter; Gena, Mauro, Fraga e Toinho; Zé Carlos (Rafael) e Ivan Brondi; Miruca, Ladeira, Nino e Lala foi a base titular que representou o Náutico. Já no cenário nos jogos de casa, nada de Aflitos. O Timbu mandou os jogos na Ilha do Retiro, do rival Sport.
- Era exigência do regulamento que jogássemos no maior estádio da cidade (o Arruda estava em construção) e assim como na Taça Brasil de 67, mandamos todos os jogos da Libertadores na Ilha do Retiro. Não tinha problema, a torcida comparecia e era bom jogar por lá, o gramado era de primeira. E quando era jogo contra os times do Sudeste, até os rubro-negros e tricolores iam e torciam para a gente.
Libertadores sem o brilho atual.
Só que na época, a Libertadores não tinha o mesmo prestígio de uma Taça Brasil e até de um campeonato estadual para os pernambucanos. O resultado foram jogos com pouco público, sem a badalação atual de grandes transmissões e comoção popular. E a falta de interesse não era exclusividade dos recifenses.
- Tinha pouca torcida nas arquibancadas. As partidas da Taça Brasil realmente chamavam mais atenção, ninguém imaginaria isso atualmente. Na Venezuela aí é que poucas pessoas iam assistir aos jogos. Desportivo Portugués é de colônia portuguesa e o Desportivo Galícia de espanhóis, então não eram de massa - lembrou o então meia alvirrubro Ivan Brondi.
Timidamente, com apenas oito mil pagantes na Ilha do Retiro, o Náutico começou a sua história na Libertadores com uma derrota para o Palmeiras por 3 a 1, com Ladeira marcando para os alvirrubros enquanto Ademir da Guia (duas vezes) e Tupãzinho fizeram para os alviverdes. Em seguida disputou dois jogos na Venezuela: um empate em 1 a 1 com o Portugués e uma derrota para o Galícia por 2 a 1.
- O campo do Estádio Universitário de Caracas era muito ruim, terra pura, com pouca grama. Foi difícil jogar contra os venezuelanos, mas cheguei a fazer um gol na Libertadores, contra o Desportivo Portugués, o que era uma coisa rara - afirmou Brondi.
Lala, que fez o único gol alvirrubro na derrota para o Desportivo Galícia, lembra com carinho a passagem pela Venezuela. Foi a sua segunda viagem internacional (antes tinha disputado um amistoso no Suriname) e na semana que passou em Caracas tem algumas histórias para contar, principalmente a do seu corte de cabelo.
- Tivemos folga e toda a turma foi dar uma volta na cidade, aquela algazarra. Inventei de cortar o cabelo e entrei num cabeleireiro, só que não sabia explicar o corte que queria. O barbeiro foi cortando, cortando e quando vi minha cabeça estava cheia de buraco. Tive que jogar com a cabeleira pelada.
O Náutico passou sem alarde por Caracas. No máximo, um encontro com o cônsul brasileiro na capital venezuelana e uma feijoada promovida pelo presidente da Federação Pernambucana de Futebol, Rubem Moreira, que acompanhou a delegação. Ivan Brondi, que é dentista e estava na faculdade nesta época, fez uma visita inusitada para um jogador de futebol.
- Tinha uns amigos colombianos no Recife que me indicaram uma visita à Universidade de Odontonlogia de Caracas. Fui lá, conheci o pessoal, a instituição é muito bonita e aproveitei para levar algumas revistas para a biblioteca da Universidade de Pernambuco.
O jogo das duas substituições
Se a viagem foi proveitosa para os atletas, para o clube a situação não era tão agradável. Nessa época, a Conmebol e a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) não bancavam os custos da competição ou seja, o Timbu pagava do próprio bolso hospedagem, transporte e alimentação de toda a delegação. Situação que acabou pesando mais adiante.
Precisando de bons públicos para fazer valer a continuidade na competição, a expectativa não foi alcançada nos jogos de volta, na Ilha do Retiro. Mesmo com a vitória sobre o Desportivo Galícia por 1 a 0 (gol de Nino), começaram os rumores de que o time iria desistir da Libertadores. Foi aí que uma das histórias mais inacreditáveis surgiu.
- No jogo seguinte, batemos o Desportivo Portugués por 3 a 2, com gols meu, de Ladeira e de Nino. Só que houve um problema para a gente, pois fizemos duas substituições, o que era uma irregularidade na época. Dizem que foi de propósito, que não dava para o Náutico segurar as contas e ficou resolvido que o técnico Duque iria desclassificar a gente da Libertadores, que não dava lucro e não tinha tanto valor - revelou Lala.
Duque pôs Jaílson no lugar de Rafael, dentro da normalidade da competição, mas foi na saída de Ivan Brondi que tudo veio abaixo. Toinho, que estava no banco, entrou no lugar de Brondi e acabou desclassificando os alvirrubros da Libertadores.
- Vi no vestiário que o ex-árbitro Sherlock estava com os diretores do Náutico conversando sobre o regulamento da Libertadores. Não sei qual foi a orientação dele. Prefiro pensar que houve confusão na avaliação das regras, pois no Pernambucano podia fazer duas mudanças. Seria estranho da parte de Duque, porque ele era muito ambicioso e queria dar saltos maiores, os jogadores também preferiam jogar, continuar viajando. Esse mistério vai ficar sem resposta, já que quem poderia desmentir morreu. Ficou a história da entrega da partida - lembrou Ivan Brondi
- O futebol era muito atrasado. Éramos semiprofissionais, a verdade era essa. Então acredito que fizeram isso conscientemente. Soube que era coisa do presidente Wilson Campos, pois o torneio não dava dinheiro, a torcida dava mais valor ao Pernambucano, ao hexa que iríamos conquistar naquele ano, então colocaram o segundo jogador - continuou Lala.
Na última rodada, o Náutico empatou por 0 a 0 com o Palmeiras, no Pacaembu. Deveria ficar com a segunda colocação do grupo 5, com seis pontos (duas vitórias e dois empates). Só que com a anulação do jogo contra o Desportivo Portugués, os alvirrubros caíram para a terceira posição, com quatro pontos (uma vitória valia dois pontos), perdendo a vaga para o próprio clube venezuelano. O Palmeiras terminou em primeiro, seguindo na competição até perder a final para o Estudiantes, da Argentina.
- Ficamos chateados. Soubemos da irregularidade, mas acreditávamos que o clube tentaria reverter no tapetão. Não foi a toa que jogamos a última rodada acreditando na classificação, jogamos para valer com o Palmeiras. Fico com o sentimento que poderíamos ter ido mais longe, tínhamos time para isso, mas não dá para carregar esse pensamento nas costas. A vida é tão dura que uma mágoa dessa não nos leva a canto algum - refletiu Ivan Brondi, sobre a participação que ficou esquecida pela avalanche que foi o hexacampeonato pernambucano, conquistada no mesmo ano.
Preferência pela Sul-Americana nos Aflitos
Na zona intermediária da tabela do Brasileiro deste ano, o Náutico pretende ficar entre o 11º e 13º lugar na competição para conquistar uma vaga na Sul-Americana. No entanto, para disputar a competição, o Timbu terá que optar entre o torneio internacional e a Copa do Brasil, pois os clubes classificados para as oitavas de final não poderá disputar a Sul-Americana. No entanto, o Náutico já deixou claro que e garantir a vaga abrirá mão da Copa do Brasil.
- Espero que o Náutico volte a atuar numa competição internacional. É importante para o clube e o time está arrumado, bem estruturado. Sinto orgulho em ter jogado uma Libertadores, apesar de poucos lembrarem, e espero que esse sentimento seja transferido para quem atuar na Sul-Americana. Só que não basta "hablar español", tem que jogar bola - brincou Lala.